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Como foi o comportamento do mercado editorial na última década? Segunda parte

Autor
Mariana Bueno
Data
13 novembro, 2019

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Mariana Bueno (1)

Na última publicação (2) é possível observar que há semelhanças no comportamento do mercado editorial dos oito países analisados (Brasil, Colômbia, México, EUA, Alemanha, Espanha, França, Grã-Bretanha) (3) . Ainda que o Brasil apresente uma redução mais expressiva na queda do faturamento do setor e na redução do preço médio do livro, o mesmo ocorre nos demais países. Além disso, todos os mercados analisados apresentam comportamento semelhante em relação aos seus respectivos PIBs, alguma estabilidade quando há crescimento econômico, porém uma queda mais acentuada do que aquela apresentada pelo conjunto da economia em períodos de retração.

Mas, como comparar de fato esses mercados? Como analisar qual o tamanho da perda real de cada um deles em relação aos demais? Para responder essas questões foi preciso colocar todos os mercados na mesma unidade monetária, em outras palavras, foi preciso converter o desempenho real do mercado editorial de cada um dos países para uma mesma moeda.

Para isso, os valores dos faturamentos reais de cada país foram convertidos para o dóllar PPP (4) (purchasing power parity), que considera as diferenças de custo de vida e rendimentos e permite medir o poder de compra das diferentes moedas. Assim, foi possível comparar o mercado editorial dos oito países analisados.

O Brasil, de fato, apresentou a maior variação percentual. Entre 2007 e 2017 o mercado editorial brasileiro encolheu 58%. Os outros dois países latino-americanos também apresentaram uma considerável variação negativa, ainda que não tão grande quanto a brasileira. O Mercado mexicano teve uma redução do seu faturamento real de 27% entre 2008 e 2015 (5) e o mercado colombiano apresentou queda de 19% entre 2008 e 2016.

Gráfico 1. América Latina. Faturamento real mercado editorial
Dollar PPP

Os mercados editoriais dos países centrais não apresentam resultados em termos reais muito diferentes, exceto pela França, cujo mercado fica estável, apresentando uma pequena redução de 2% entre 2007 e 2016. Os demais países também apresentam variação negativa representativa na casa dos dois dígitos. A Espanha vê seu mercado editorial encolher 27% entre 2008 e 2016. No reino Unido a redução é de 16% entre 2009 e 2016. A queda no mercado norte-americano (6) é de 16% entre 2008 e 2016 e de 10% no mercado alemão entre 2007 e 2016.

Gráfico 2. EUA. Faturamento real mercado editorial
Dollar PPP

Gráfico 3. Europa. Faturamento real mercado editorial 
Dollar PPP

Mas o que isso significa exatamente? Significa que é possível colocar esses mercados lado a lado e observar o comportamento de cada um deles em relação aos demais. Significa, por exemplo, que em 2007 o mercado alemão era 2,8 vezes maior que o mercado brasileiro e, ainda que os dois mercados tenham apresentado redução em termos reais ao longo dos anos, a queda do mercado brasileiro é tão significativa que em 2017 ele é 6 vezes menor que o mercado alemão. Ou então que em 2008 o mercado brasileiro era 6 vezes maior que mercado colombiano e que em 2016 essa relação mudou para 3,5. 

Se por um lado há a reafirmação daquilo que já havia sido dito, o mercado editorial reduz de tamanho ao longo dos últimos anos, por outro lado fica claro que a redução na França e na Alemanha está bem abaixo da média. Já  no México e na Espanha o resultado negativo é acima da média e no Brasil a queda é tão intensa, tão maior que nos demais países, que pode ser retratada como um ponto muito fora da curva.

Gráfico 4. Faturamento real mercado editorial
Dollar PPP

Existe certo consenso que o mercado do livro encolhe porque passa ter novos concorrentes.  A chegada dos serviços de streaming, o crescimento expressivo do uso das redes sociais e toda a tecnologia on demand, mudaram o hábito das pessoas e a maneira como elas dividem seu tempo, fazendo com que o livro acabe perdendo espaço. Há também um debate intenso sobre a precificação do livro e sua relação com as vendas online, sem falar na crise do modelo de livraria megastore. É inegável, portanto, que o mercado passa por grandes transformações, contudo a paridade monetária mostrou que o comportamento do mercado nos países centrais é mais estável quando comparado com países da América Latina. 

Mas o mercado não é homogêneo, os livros não tem a mesma finalidade nem são consumidos com o mesmo proposito. Existe a leitura por vontade própria e existe a leitura obrigatória, determinada por uma instituição ou atividade. Para a América Latina a análise será estendida procurando ampliar a compreensão do comportamento do mercado.  Por recomendação da CERLALC os países latino-americanos dividem seus mercados em 4 categorias: Didáticos, Obras Gerais, Religiosos e Científicos, Técnicos e Profissionais. Para uma aproximação com os demais mercados, foram utilizadas nesse trabalho 3 categorias: Didáticos; Científicos, Técnicos e Profissionais; e Trade, composta pela soma dos resultados de Obras Gerais e Religiosos.

Importante destacar que, tanto no México quanto no Brasil, as compras governamentais têm participação bastante relevante. Já na Colômbia a representatividade do governo no montante arrecadado pelo mercado é bem menor. Enquanto no México as compras realizadas pelo governo representam cerca de 12% do faturamento do mercado editorial do país e no Brasil o governo é responsável por cerca 25% do total faturado pelas editoras, na Colômbia o governo é responsável por apenas 5% do faturamento desse mercado. Se considerada apenas a categoria de didáticos, onde estão concentradas as compras governamentais, o governo representa cerca de 20% do mercado mexicano e 40% do mercado brasileiro.

Além disso, no caso mexicano é preciso incorporar o montante produzido e distribuído pelo Conaliteg, órgão governamental responsável pela produção e distribuição de parte dos livros “consumidos” pelo governo  e que representa cerca de 30% da produção editorial do país. Ou seja, a participação do governo no mercado editorial mexicano é maior do que o resultado expresso pelas compras governamentais, uma vez que o próprio governo também produz e distribui os livros utilizados nas escolas do país.

Então o resultado deflacionado e convertido para dollar PPP é o seguinte: conforme esperado, o Brasil apresenta a maior queda em todas as categorias. Entre 2007 e 2017 há redução de 54% para didáticos, 60% para trade e 53% para CTP. Entre 2010 e 2015, o México apresenta queda de 11% e 45% em trade e CTP,  respectivamente, já o mercado de didáticos fica estável, apresentando ligeira variação positiva de 1%. Na Colômbia o mercado de CTP é o único que não encolhe, com crescimento de 6% entre 2008 e 2016. O mercado de didáticos apresenta variação negativa de 27%  e o mercado de trade cai 21 pontos percentuais no mesmo período.

Gráfico 5. Brasil, Colombia, Mexico.
Didáticos (vendas ao mercado + vendas ao governo )
Dollar PPP

 

Gráfico 6. Brasil, Colombia, Mexico. Trade (vendas ao mercado + vendas ao governo )
Dollar PPP
Gráfico 7. Brasil, Colombia, Mexico. Trade (vendas ao mercado + vendas ao governo )
Dollar PPP

Os gráficos em número índice permitem uma melhor percepção do desempenho de cada categoria em cada um dos países.

Gráfico 8. Mexico. Desempenho real – Núnmero índice
(vendas ao mercado + vendas ao governo )
Dollar PPP

 

Gráfico 9. Colômbia. Desempenho real – Núnmero índice
(vendas ao mercado + vendas ao governo )
Dollar PPP
Gráfico 10. Brasil. Desempenho real – Núnmero índice
(vendas ao mercado + vendas ao governo )
Dollar PPP

Fica claro que o comportamento de cada categoria é bastante distinto em cada um dos países e que a queda no faturamento do mercado editorial de cada país é determinada por categorias distintas. Enquanto no México CTP é elemento decisivo para o resultado negativo no setor, na Colômbia Trade e didáticos são as categorias que determinam o desempenho ruim, já no Brasil as três categorias sofrem fortes quedas ao longo do período. 

Assim como é possível afirmar que há certo consenso sobre os impactos das novas tecnologias e as transformações do mercado, também é possível dizer que há certa concordância de que politicas educacionais consistentes favorecem a formação de leitores, o que resultaria, em tese, num melhor desempenho do mercado editorial. Ainda que existam inúmeros debates sobre qual política deva ser adotada e seus efetivos resultados, não é razoável acreditar que seja possível prescindir de tais políticas e ter um país leitor.

Fontes

https://data.imf.org

http://www.oecd.org/

https://publishers.org/

http://pesquisaeditoras.fipe.org.br/

https://www.boersenverein.de

https://www.federacioneditores.org/

https://www.publishers.org.uk/

http://www.caniem.com/

https://camlibro.com.co

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(1) Agradeço a paciência e parceria de Carlo Carrenho que me ajudou com as conexões necessárias, ao Rüdiger Wischenbart pelo auxílio, pelas conversas e esclarecimentos, ao Marcos da Veiga Pereira pelas inúmeras provocações para realização desse estudo, à CBL e ao SNEL pelos quase 10 anos de parceria e confiança e à Cerlalc pela troca de ideias e pelo espaço para publicação.

(2) Os dados desse estudo foram coletados no ano de 2018 e a análise foi realizada em 2019.

(3) A explicação para a seleção dos países está na primeira parte desse estudo, também publicada aqui neste blog.

(4) Foram coletados e utilizados os valores produzidos pelo FMI.

(5) Para México e Brasil foram consideradas apenas as vendas ao mercado, excluindo as vendas ao governo. O governo tem papel preponderante no mercado editorial desses dois países.

(6) Os Estados Unidos, país padrão do dólar, tem PPP= 1